Authors:Vímala Ananda Jay Pages: 01 - 17 Abstract: O conto “Preocupação do pai de família”, de Franz Kafka, permite lançar algumas luzes acerca do que se pode denominar realismo kafkiano, a partir de um horizonte de compreensão do par fantásticorealismo como estabelecido por Sartre no ensaio “Aminadab, ou o fantástico considerado como uma linguagem” (1943). Trata-se de um realismo indireto, que opera em direção oposta à do realismo ingênuo e mítico. Esta questão não é nova e foi levantada por diversos autores, tão distantes no tempo e no espaço como, por exemplo, o alemão Günter Anders (1934), o francês Maurice Blanchot (ensaios reunidos em 1981) e o brasileiro Roberto Schwarz (1966). Neste artigo procuramos realizar uma interpretação do conto de Kafka a partir dos fundamentos trazidos por Sartre em seu ensaio de 1943. Procuramos assumir como hipótese que o movimento que o pai de família (aquele que visa odradeck e procura defini-lo) opera como verificação de um modo de ser, que no início confunde-se com o modo de existir do signo, em seguida com o de coisa e que, por fim, surge como revelação de uma consciência. Esta, no entanto, não se trata de uma consciência qualquer ou abstrata, mas determinada e situada. Cada parágrafo representa assim uma etapa da antecipação deste ser, em seguida descartada como hipótese falsa, e sucessivamente o pai costura uma trama de erros que não se esgota, no entanto, no erro (definitivo), pois morde continuamente a própria cauda, na medida em que cada hipótese é posta de lado como não-verificação do ser, porém representando sempre a passagem em seu sentido dialético de negação do dado em direção a uma verificação verdadeira. PubDate: 2023-07-02 Issue No:Vol. 26, No. 1 (2023)
Authors:Tássia Vianna de Carvalho Pages: 18 - 37 Abstract: O Ego, tal como Sartre o concebe, é compreendido como um objeto intencional de tipo muito específico; um objeto que é constituído pela consciência - como produto da modificação reflexiva operada sobre a vivência irrefletida - mas ele carrega consigo a origem de um engano: ele nos engana sobre sua própria existência, aparecendo como se já estivesse lá anteriormente à reflexão. Mas no que consistiria este engano' E o que motivaria a consciência a enganar-se sobre si própria' Se outorgarmos à consciência reflexiva um poder constitutivo, como poderíamos ainda assegurar um teor de confiabilidade à reflexão como metodológico privilegiado da fenomenologia' Este artigo tem por objetivo descrever fenomenologicamente como a consciência constituiria este objeto de tipo específico, perscrutando o que estaria na origem deste autoengano operado pela consciência. Iniciaremos por descrever a estrutura da consciência em seus diversos graus (irrefletida, refletida, reflexiva). Em seguida, apresentaremos como o Ego é constituído a partir desta modificação estrutural operada pela reflexão, e por fim, descreveremos como a consciência é capaz produzir uma ilusão sobre ela mesma, enganando a si própria sobre sua constituição – mascarando para si mesma sua própria indeterminação ontológica, e apreendendo a si mesma na condição de objeto para a reflexão. Para isto, utilizaremos como texto principal A transcendência do Ego¸ Jean-Paul Sartre, fazendo eventuais recursos à sua ópera magna O ser e o nada, bem como a comentadores canônicos da tradição, como Flajoeliet, Correbyter, e ao célebre artigo de Gurwitsch sobre esta temática, em vista de aprofundar questões lacunares na obra do próprio autor. PubDate: 2023-07-02 Issue No:Vol. 26, No. 1 (2023)
Authors:Vinicius Xavier Hoste Pages: 38 - 54 Abstract: No romance A Náusea, Jean-Paul Sartre apresenta ao leitor o diário de Antoine Roquentin, um historiador que vem experimentando um tipo de desconforto existencial que ele chamará de náusea. Conforme essa náusea vai se intensificando, o personagem vai descobrindo um tipo de realidade selvagem, o mundo cotidiano vai se desnudando e a existência perdendo seu sentido habitual. Em meio a essa experiência devastadora, uma canção aparece como um antídoto momentâneo contra o mal-estar, de modo que sempre que escuta “Some of these days” no gramofone do bar, Roquentin sente que a náusea desaparece. De fato, ao longo de sua jornada nauseante o personagem se depara com outras manifestações artísticas, nenhuma delas, porém, é capaz de proporcionar uma experiência parecida com a da canção. Diante disso, o objetivo deste artigo é investigar os motivos pelos quais apenas a canção parece capaz de interromper os efeitos da náusea. Assim, tentaremos, primeiramente, estabelecer uma diferença entre a forma cancional e a realidade revelada pela náusea, mostrando que enquanto a realidade é regida pela contingência a canção é um objeto imaginário em que cada elemento ocorre por necessidade. Em seguida, buscaremos comparar a relação de Roquentin com a canção, com o cinema e com a literatura, a fim de entender aquilo que o aproxima de uma manifestação artística e que o afasta das outras. De tal maneira, esta reflexão procurará, por fim, mostrar que a predileção do personagem pela canção é menos por suas características formais do que pelo contexto no qual ela se apresenta, ou seja, não se trata de uma especificidade da beleza da canção, mas da maneira como ela se insere na vida de Roquentin. PubDate: 2023-07-02 Issue No:Vol. 26, No. 1 (2023)
Authors:Gabriel Gurae Pages: 55 - 72 Abstract: O protagonista do romance A Náusea (1938), Antoine Roquentin, não consegue se conectar com os outros e dar sentido a si e ao mundo ao seu redor. Esta desarticulação de sentido se expressa em um profundo mal-estar, a Náusea. Para restituir o sentido perdido, Roquentin busca uma articulação temporal que, como em uma estrutura narrativa, pudesse conectar o passado com o presente. No entanto, Roquentin conclui que o passado não existe, só existe um presente contingente que se arrasta sem passado e futuro. Neste artigo, vamos mostrar que a há uma conexão necessária entre tempo e sentido para pensar a dissolução do sentido em A Náusea como dissolução da temporalidade. Para isso, recorreremos à descrição onto-fenomenológica da temporalidade em O ser e o nada. A leitura de O ser e o nada nos faz compreender que o sentido não deve ser buscado no passado, mas em um projeto quanto ao futuro. É a ausência de projeto que faz o sentido se desarticular. Seguindo esta linha de interpretação, podemos afirmar que a possibilidade de “salvação” da Náusea vislumbrada por Roquentin no projeto de ser escritor é justamente um projeto quanto ao futuro. Neste projeto há uma ambiguidade: ao mesmo tempo que deseja criar uma obra de ficção, Roquentin quer se reconectar com o real através do imaginário: ser lido pelos outros que dariam a ele o sentido de ser um escritor que “vivia perambulando pelos cafés”. O projeto de ser escritor, articulando a realidade com a criação imaginária, nos faz concluir que a amplitude do sentido temporal do projeto é muito mais rico que o “verniz” do insuficiente sentido lógico e habitual que inicialmente Roquentin buscava atribuir às coisas. PubDate: 2023-07-02 Issue No:Vol. 26, No. 1 (2023)
Authors:Carlos F. D. Bubols Pages: 73 - 93 Abstract: Neste texto, inicialmente serão apresentadas as perspectivas opostas de Jean-Paul Sartre e Paul Ricœur acerca da relação entre viver e narrar. Se, para Sartre, vida e narrativa são inconciliáveis, uma vez que o filósofo entende que as narrativas não são mais do que meras falsificações de experiências singulares, para Ricœur, por outro lado, a experiência já possui de antemão uma estrutura que permite o ancoramento das narrativas na própria vida, ao que chamou de traços pré-narrativos das ações. Depois dessa elucidação inicial, este texto apresenta ainda a hipótese de que essa oposição entre os dois filósofos franceses se deve ao fato de ambos operarem com conceitos de experiência distintos, pois Sartre utiliza o conceito oriundo das filosofias do cogito, tradição esta que se desenvolve na filosofia transcendental e culmina na fenomenologia, ao passo que Ricœur, por sua vez, pertence à tradição que tem suas bases na hermenêutica, sobretudo em Wilhelm Dilthey, para quem a experiência viva se expressa de maneira mais ampla do que a mera relação de uma consciência com seu objeto intencional, e tem desdobramentos significativos nos pensamentos de Walter Benjamin e Hannah Arendt, a quem Ricœur é tributário. Para demonstrar essa hipótese, será de fundamental importância a distinção feita por Benjamin entre experiência [Erfahrung] e vivência [Erlebnis], assim como a relação entre memória e narrativa em Arendt, algo encontrado também em Benjamin. Se for provada essa hipótese, será possível afirmar que as duas perspectivas se antagonizam apenas na aparência, podendo-se afirmar, então, que os dois filósofos têm razão acerca do que afirmam sobre a relação entre a experiência e as narrativas, ao mesmo tempo, embora não sob o mesmo aspecto. PubDate: 2023-07-02 Issue No:Vol. 26, No. 1 (2023)
Authors:Renato Belo Pages: 94 - 108 Abstract: O presente artigo procura articular as noções de consciência e fenômeno no filósofo JeanPaul Sartre, nome de destaque do existencialismo francês. A partir da herança da fenomenologia de Husserl, Sartre busca se posicionar sobre a controvérsia entre realistas e idealistas acerca da relação sujeito e objeto e o consequente problema do conhecimento. Às suas costas, Sartre tem as vertentes da filosofia transcendental (Kant e Husserl), que também se posicionaram sobre a querela. O artigo percorre textos do “jovem” Sartre e a “Introdução” de O ser e o nada a fim de recuperar a singularidade da solução sartreana para o problema do conhecimento. Argumento que essa questão se encontra desde os primeiros textos de Sartre e se confunde com a apropriação feita pelo filósofo da fenomenologia e, sobretudo, do conceito de intencionalidade da consciência, que ganha contornos existenciais. Em O ser e o nada, contudo, a questão sofre uma inflexão decisiva porque se apresenta em seus aspectos ontológicos, ou onto-fenomenológicos, o que aponta para a noção complementar de transfenomenalidade para caracterizar quer o ser da consciência, quer o ser do fenômeno. Tal empreitada exige compreender que toda consciência é relação com o mundo, é ser-no-mundo, o que parece extrapolar os limites originais da fenomenologia em sua relação de continuidade com a filosofia crítica. Proponho que Sartre redimensiona a questão em termos propriamente existenciais, irredutíveis à esfera estrita do conhecimento. Para tanto, o filósofo procura uma síntese criativa oriunda da reelaboração da tradição transcendental, entre o projeto crítico e o projeto fenomenológico. PubDate: 2023-07-02 Issue No:Vol. 26, No. 1 (2023)
Authors:Jean Carlos Duarte Pinto Coelho Pages: 109 - 119 Abstract: O recorte analítico dos ensaios de psicologia e ontologia fenomenológicas, tal como de escritos ficcionais publicados por Jean-Paul Sartre ao longo das décadas de 30 e 40, revela a elaboração de uma concepção filosófica de corpo. Entre os primeiros ensaios, A transcendência do ego (1936), A imaginação (1936) e O imaginário (1940) propõem relações e sugerem algumas definições – em particular, a associação do corpo a um objeto mágico; em Esboço para uma teoria das emoções (1939), de uma maneira mais direta, Sartre faz referência a um duplo caráter corpóreo – trata-se de um “objeto no mundo”, mas também da “experiência vivida imediata da consciência” (SARTRE, 1939/2008, p. 77). Uma proposta teórica mais aprimorada surge apenas em 1943, com a publicação de O ser e o nada e um capítulo dedicado aos modos de ser do corpo: o para-si, o para-outro e o “para-sipara-outro”. O corpo é facticidade; a textura contingente da consciência ou a relação unívoca com o mundo - “Existo meu corpo” (SARTRE, 1943/2015, p. 441). Todavia, é ainda objeto que remete a uma alteridade; relação com o mundo e consigo, a qual transcendo – um objeto psíquico. Ademais e, por fim, aponta para um eu alienado, resultado de minha apreensão como objeto para o outro. Essa abordagem ontológica e dialética demarcaria, ao mesmo tempo, pontes e fraturas em relação aos textos de psicologia fenomenológica, e colocaria em evidência a ficção sartreana, em especial o romance. A Náusea, como referência teórica crucial, dada a confluência entre as noções de corpo e contingência PubDate: 2023-07-02 Issue No:Vol. 26, No. 1 (2023)
Authors:Giovanni Vieira de Carvalho Novelli Pages: 154 - 169 Abstract: Esse trabalho teve como objetivo constituir uma leitura crítica a respeito do dispêndio improdutivo na obra de Georges Bataille a partir da sua perspectiva da heterologia e como ela funcionaria como fundamento das sociedades arcaicas estudadas e teorizadas por Marcel Mauss. Desse modo, estaremos envoltos em como essa antifilosofia batailleana atravessa sua obra de forma a dar sustentação para suas teses em direção ao que o autor compreende minimamente por heterogêneo. A partir disso, percebemos que a leitura de Bataille a respeito da dádiva de Marcel Mauss é passível de crítica, nos possibilitando um tensionamento da perspectiva do autor francês uma vez que não existe uma dádiva unilateral e sem retorno, bem como de que o pensador em consideração não levou em consideração questões relativas ao acúmulo de energia que o ser humano foi capaz de sustentar no decorrer da história da civilização no período em que o mesmo teorizou o excesso como fundamento das nossas sociedades capitalistas. Além disso, apresentamos nossas críticas como forma de sustentar a ideia de que não apenas o autor de História do olho leu de forma problemática a antropologia mausseana, mas também que a teoria econômica demonstrada em A noção de dispêndio e A parte maldita é baseada em uma leitura antropológica apressada. Por fim, resumiremos nossas críticas como forma de não apenas ilustrar os tensionamentos e problemas no interior da obra de Bataille como forma de apresentar uma possível ética com consequências socioeconômicas, existenciais e ecológicas, mas também de ressaltar como podemos efetuar uma releitura do autor para o contexto atual da nossa civilização. PubDate: 2023-07-02 Issue No:Vol. 26, No. 1 (2023)